sexta-feira, maio 12

SECRETÁRIO DAS LETRAS

O secretário regional da Habitação e Equipamentos é um homem letrado, em toda a dimensão do termo. Com ele tudo é passível de ser reduzido a letras. Desde logo, as bancárias, por via das obras que o respectivo departamento governamental manda executar e depois pagar quando for possível.
É dentro desse espírito, digamos, letrado que a secretaria da Habitação e Equipamentos se propõe efectuar as famigeradas estradas em regime de SCUT, que os nossos impostos e os dos nossos filhos hão-de pagar por mais de trinta anos. Querendo gerir os dinheiros públicos como se de um orçamento familiar se tratasse, faz agora e paga depois, pouco importando as variações das taxas de juro, as revisões de preços e a manutenção a que as estradas, necessariamente, terão de ser sujeitas ao longo dos tais 30 anos.
Mas não são estas as letras do secretário da habitação e equipamentos que agora quero partilhar com o leitor. Trata-se, antes, das letras no sentido mais literário do termo, dos vigorosos e criativos discursos com que frequentemente o governante nos brinda.
O titular da pasta da habitação e equipamentos é um verdadeiro cabouqueiro da palavra, um exímio arquitecto dos argumentos, um engenheiro da comunicação. No texto dito, ou nas palavras escritas – isso mesmo, nas letras – o secretário da habitação e equipamentos é imbatível.
Por estes dias tive nas mãos a revista de bordo da SATA. Ali, em página inteira, a secretaria da habitação e equipamentos publicita as estradas regionais, como se houvesse alternativa de circulação, como se nos fosse dado a escolher entre as estradas, boas ou más, que pagamos com os nossos impostos, e outras de iniciativa privada. É evidente que há estradas municipais, mas essas pela sua própria natureza, não são vocacionadas para a ligação entre concelhos, nem para suportar grandes volumes de tráfego.
Não contente, ou melhor não satisfeito, para que não se confundam os termos, com a patética ideia de publicitar estradas, a veia letrista da secretaria da habitação e equipamentos chega ao ponto de dizer-nos, a nós açorianos e aos turistas que, e cito, “embora diferentes umas das outras, as nove ilhas dos Açores têm algo em comum”. E agora pasme-se, onde foi o governante encontrar o denominador da unidade dos Açores, e volto, portanto, à citação: “É o caso das estradas regionais com a marca da Secretaria da Habitação e Equipamentos”. Atente-se no vigor e na acutilância da revelação. Já não é a cultura, nem tão pouco o ambiente, menos ainda a geografia e a história como dizia Nemésio, que dão carácter e unidade às nossas ilhas. Agora, são as estradas. E não umas quaisquer, mas as que têm a marca da secretaria regional da habitação e equipamentos – ainda que ninguém saiba onde e como se vê o registo dessa, suponho, indelével marca.
Acabo esta crónica como comecei. Reconhecendo que o secretário da habitação e equipamentos é com toda a pujança um homem das letras. A nós, modestos cidadãos, não basta pagar as letras que o governante faz à nossa conta. Temos ainda que aturar aquela incorrigível mania de por em forma de letra a dimensão política que nunca há-de ter. Paciência.