segunda-feira, julho 3

SUCESSO ESCOLAR À FORÇA

As estatísticas oficiais não desmentem, antes confirmam o declínio progressivo do aproveitamento escolar nos Açores, desde 1996.
A solução administrativa para o caso é, a um só tempo, eficiente e barata. Alegadamente, os alunos libertam-se da tirania da avaliação. Disfarçadamente, os pais são promovidos a especialistas da educação. E generosamente os professores são convidados a aprofundar a democracia dos seus procedimentos profissionais. A legislação que rege (guia, conduz, encaminha?) a avaliação das aprendizagens no sistema educativo açoriano é um contributo ímpar na promoção da mediocridade. Em vez de exigir rigor e critérios de qualidade, incentiva o facilitismo e premeia a indiferença.
Já abordei a temática nesta páginas e se agora volto assunto é pela pertinência do mesmo, no momento em que as escolas procedem à avaliação de final ano dos respectivos alunos.
O Regulamento de Avaliação das Aprendizagens no Ensino Básico contem singularidades que a geografia e a história – a ultraperiferia e a autonomia – talvez expliquem. Assim, no final dos 2º e 3º Ciclos, quando o aluno não obtiver aproveitamento na disciplina de Língua Portuguesa e noutra qualquer área curricular disciplinar, a decisão de progressão “deve ser tomada com, pelo menos, o voto favorável de dois terços dos professores que integram o conselho de turma”, isto é, mesmo sem o consentimento dos docentes titulares das disciplinas em causa. No resto do país o critério é diferente. Obtendo classificação inferior a 3 nas disciplinas de Língua Portuguesa e de Matemática, o aluno só pode transitar por decisão unânime do conselho de turma.
Ao ignorar a importância das competências no domínio da matemática para a qualidade e sucesso formativo do aluno, a generosidade do sistema regional dissimula a insuficiência de competências de muitos estudantes no final dos ciclos de escolaridade. O facilitismo de tais regras traduz-se, por exemplo, no aproveitamento integral de uma turma do 9º ano de escolaridade quando, no contexto dos critérios fixados para o resto do país, sete alunos teriam reprovado e, portanto, a taxa de sucesso escolar seria somente de 71,8%. Além da duvidosa norma que exclui a disciplina de matemática da nuclearidade dos saberes escolares, o Governo Regional também despreza o valor educativo das áreas curriculares não disciplinares, irrelevantes “para efeitos de progressão dos alunos”. Neste contexto, que utilidade se atribui à área de projecto, à formação cívica e às disciplinas do ensino artístico? E que motivação pode encontrar nelas um aluno?
Ainda assim, para acautelar eventuais taxas de retenção, como as verificadas nos últimos dez anos, o Governo socialista aditou àquelas regras a elaboração obrigatória de um “relatório analítico e prospectivo sobre as práticas e estratégias curriculares desenvolvidas e a desenvolver naquela turma” sempre que se registarem reprovações superiores a 10% dos alunos da turma, ou seja, mais de dois estudantes. O relatório, com nítida intenção intimidadora, é submetido pelo conselho executivo da escola “à Inspecção Regional da Educação no prazo máximo de 30 dias após a conclusão das actividades lectivas”.
Com tantos estratagemas é previsível o arrepio do insucesso escolar, quando forem revelados os próximos indicadores estatísticos relativos aos 2º e 3º ciclos de escolaridade. Na etapa precedente o problema foi (administrativamente) resolvido: no primeiro ano não há lugar a retenções; nos 2.º e 3.º anos de escolaridade, “a retenção é uma medida pedagógica de carácter excepcional”, desde que “seja do conhecimento do encarregado de educação e não mereça a sua oposição”. Mas o imbróglio subsiste no ensino secundário onde, na falta de critérios regionalizados, a aferição se faz segundo normas e exames nacionais.
Está tudo dito, não está?

(Escrito hoje no Açoriano Oriental)

Sem comentários: