sábado, julho 1

ODISSEIA MARÍTIMA

Já quase tudo se disse sobre a operação de transporte marítimo de passageiros e viaturas nos Açores. A odisseia do Ilha Azul, assim se chama um barco vermelho e branco, rivaliza com as epopeias mais famosas da história. Com uma diferença relevante. Aqui a história não é feita das grandezas do homem, mas dos seus desmandos.
Dobrado o Cabo da Boa Esperança, que foi a certificação do navio, já outras tormentas se levantam. Em Santa Maria o “Ilha Azul” não atraca no cais de ferries. Construído vai para quatro anos, aquele molhe estava destinado ao tráfego de passageiros. Mas como muitas outras obras públicas que se vão fazendo entre nós, também o dito cais foi mal projectado, sem visão de futuro e não garantindo condições diversificadas de operacionalidade. Resultado: dinheiro, literalmente, deitado à água. E não é um dinheiro qualquer, mas o que sai dos nossos bolsos, por via dos impostos que impendem sobre os nossos rendimentos.
Não se julgue que os erros de cálculo e o desperdício de dinheiros públicos são coisa rara e que, por azar, apenas bateu à porta dos marienses. Nada disso. Outras obras faraónicas são apanhadas no mesmo desatino. Por exemplo, o cais de cruzeiros, cuja construção arrancou por estes dias, já teve várias alterações ao projecto, nomeadamente para garantir a atracagem de navios de maior porte, que não cabiam nas dimensões inicialmente previstas. Ainda assim sobra uma dificuldade: o molhe não comporta mais de um navio. Nesses dias, quando a procura for superior, como às vezes acontece, os respectivos comandantes hão-de decidir a atracagem atirando uma moeda ao ar. Ou será à água?
Bom. Para que não se diga que falo apenas de exemplos dentro de portas, lembro que os megalómanos estádios mandados construir para o campeonato europeu de futebol também vão dando água pela barba. Veja-se o recinto de Faro/Loulé, cuja manutenção, suportada pelos municípios algarvios, ascende a cinco mil euros diários. E também aqui os desmandos não se confinaram às derrapagens financeiras do custo da construção ou ao previsível sobredimensionamento das instalações. É que, para ironia do destino, o Algarve deixou de ter equipas nos principais escalões do futebol nacional, o que significa, fatalmente, falta de espectadores e das consequentes receitas.A este propósito reavivo a memória dos mais esquecidos: a UEFA exigiu a Portugal construção de seis estádios para esse campeonato europeu; António Guterres, generoso como sempre foi, decidiu a construção de uma dezena. Vendo bem as coisas, tinha razão, é no futebol que está o orgulho nacional. Pouco importam as finanças da Nação, o estado da saúde e a educação do país, somos bons na bola e isso basta-nos. Até ver. Enquanto não batermos bem da bola.

(Dito esta quinta-feira na Rádio Atlântida)

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