terça-feira, junho 20

O DISCURSO E O PARECER

1 – Há relativamente pouco tempo escrevi nestas páginas sobre a sistemática utilização pelo Governo Regional da estratégia comunicativa de Goebels. A repetição de uma determinada ideia, ainda que pouco conforme com a realidade ou de duvidosa seriedade, acaba por incutir no senso comum – vulgarmente designado por opinião pública – a sensação de rigor e sucesso que, infelizmente, não gozamos.
Por estes dias uma entrevista de Carlos César a um semanário local fez prova material do contraditório em que convivem discurso e realidade. No Dia dos Açores o presidente do Executivo afirmava, provavelmente sem hesitações, que “há mais subsídios nas prosas dos analistas políticos nos jornais do que publicados no Jornal Oficial. Com a vantagem de quase todos os subsídios resultarem agora de uma regulamentação rigorosa, ao contrário do que acontecia há dez anos”.
À primeira leitura seríamos tentados a dar razão ao autor daquelas palavras. A verificação detalhada da afirmação leva-nos, todavia, por outros caminhos e a conclusões obviamente distintas das proferidas por Carlos César.
Coincidência, ou talvez não, nas vésperas da publicação da dita entrevista, Guilherme d’Oliveira Martins, antigo ministro de Guterres,
e agora presidente do Tribunal de Contas, havia feito a entrega formal da Conta da Região de 2005 ao Parlamento açoriano. Ora, na ocasião ficámos a saber que naquele ano do Orçamento Regional voaram quase cem milhões de euros (ou vinte milhões de contos, se preferirmos em moeda antiga). Portanto, os subsídios abundam e não são invenção dos jornais e de quem neles exprime livremente a sua opinião.
Esta evidência, minuciosamente apurada por aquele Tribunal foi acompanhada de outra bem mais contraditória com a declaração de Carlos César: 20 por cento dos subsídios – cerca de cinco milhões e meios de contos – foram atribuídos sem justificação legal. Dificilmente poderei acreditar que há dez anos atrás seriam concedidos diariamente 14 mil e oitocentos contos de subsídios sem justificação legal.
E não se julgue que esta situação atípica foi um acidente de percurso na governação socialista. Nada disso. O Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta da Região de 2004 aponta nas respectivas conclusões que “a atribuição de apoios fora da esfera do legalmente estabelecido (26,7 milhões de euros não indicam o enquadramento legal ou apresentam-no inadequado), além de discricionária é potencialmente violadora dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade”.
Além disso, acrescenta o TC, “existem apoios atribuídos por diferentes Departamentos Governamentais para a mesma finalidade, situação potenciadora de práticas injustas e discriminatórias, podendo indiciar a falta de critérios consistentes na atribuição dos apoios”.
2 – Em Março passado, na Assembleia Legislativa foi constituída uma comissão eventual de inquérito sobre a segurança social. A finalidade da referida comissão parlamentar é apurar a atribuição indevida de subsídios da segurança social para fins particulares e de intuito eleitoralista. Volvidos mais de três meses o Governo Regional ainda não facultou a documentação necessária para os deputados realizarem um juízo sobre o caso. Relação de causa e efeito?

(publicado dia 20 de Junho no jornal Açoriano Oriental)

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